por Frederico Oliveira
Enfrentar
a homofobia e a transfobia passa pela necessidade da desconstrução dos
estereótipos e do combate ao estigma dirigido às pessoas LGBTs.
Nesse
sentido, cumpre ressaltar que a sociedade, ao longo do tempo, foi construindo
e, por isso, mascarando a singularidade e a particularidade da personalidade
dos indivíduos ao impor o enquadramento em dois gêneros, com comportamentos
previamente padronizados.
Criou-se,
assim, o mundo masculino e o mundo feminino e todo o indivíduo que nao se
enquadra nesse padrão acriticamente estabelecido seria, então, socialmente
condenado.
A
masculinidade e a feminilidade de fato, possuem peculiaridades determinadas por
fatores biológicos, a exemplo dos órgãos e hormônios sexuais naturalmente
produzidos pelas glândulas reprodutoras que definem e ou acentuam certas características,
como o timbre da voz, os contornos do corpo e a capacidade para a reprodução. No entanto, esses ingredientes biológicos, nao são suficientes para delimitar as expressões
e os comportamentos de cada ser humano. Também por isso, a sexualidade não se restringe à capacidade reprodutiva, tanto que mulheres e homens heterossexuais inférteis ou senis não perdem a sua identidade em termos de gênero e orientação sexual.
Nesse
aspecto, não cabe, portanto, menosprezar as particularidades e a singularidade dos indivíduos que, nem sempre, se compatibilizam às equivocadas
convenções sociais. Desconsiderar essa lógica é o mesmo que menosprezar a nossa capacidade psicológica, ou o mesmo que dizer que o sexo se
limita exclusivamente aos órgãos sexuais, o que não é assim que funciona, pois
é principalmente o cérebro o condutor de nossos desejos em termos de sexualidade.
Infelizmente, aqueles que estariam fora desse padrão heteronormativo, delimitado entre dois
gêneros: masculino e feminino, com funções sociais pré-definidas em torno do sexo biológico, passariam, pois, a ser
alvo de discriminação, o que de maneira muito perversa condena violentamente, em maior ou menor grau, milhares de homossexuais, travestis e transexuais pelo mundo.
A construção desses padrões ou convenções, serviram (e infelizmente
ainda servem) de instrumento para a manutenção do poder dirigido em torno do
masculino. Esse sistema de poder estabelece uma série de vantagens sociais aos homens heterossexuais, mascarando a singularidade e a
particularidade das personalidades humanas que passam a ser condicionadas a tal enquadramento.
A concepção de mundo machista de dominação masculina e de heteronormatividade possui raízes muito profundas, estabelecidas
historicamente, com uma forte influência religiosa, o
que, por isso, a torna tão difícil de ser quebrada e desconstruída. Essa concepção, conforme explica Bourdieu*,
é fruto de uma aceitação inconsciente e que sequer chegou a ser avaliada no
campo da racionalidade. É, pois, previamente concebida: um preconceito, diferente
do que a sociedade contemporânea vem fazendo ao avaliar e investigar os
desdobramentos da sexualidade, graças à evolução da ciência e da experiência em torno da nossa condição humana.
O
fato é que, em termos de expressão de gênero - trejeitos, fala, comportamentos,
vestimenta - a masculinidade não é condição exclusiva dos heterossexuais, assim
como a feminilidade também não é exclusividade das mulheres heterossexuais.
É
de uma bobagem sem tamanho achar que um homem gay seja sempre um homem que nao
se adequou às expressões do gênero masculino, ou no mais alto nível de
ignorância de se compreender que seja um homem que pretende se travestir como
mulher. Fique bem claro, identidade de gênero que é a identificação do indivíduo com a condição social masculina ou feminina, nao tem nada a ver com orientação
sexual.
Ser gay nao tem nada a ver com ser travesti ou transexual feminina.
Assim como ser lésbica não tem nada a ver com ser travesti ou transexual
masculino. Há
travestis e transexuais femininas lésbicas, assim como há homens heterossexuais afeminados ou mulheres heterossexuais que apresentam expressões de gênero masculinas. O caminho da vida não se determina e não se limita a um órgão sexual.
Uma
coisa é orientação sexual, outra coisa é identidade de gênero. Não é à toa que
a bandeira LGBT faz alusão à multiplicidade das cores do arco-íris, simbolizando a diversidade sexual.
Assim
sendo, o estereótipo, ou seja, aquilo que se tornou padrão do masculino concebido na figura do homem másculo e viril, pode também adequar-se às características de um homem
gay. Por outro lado, o estereotipo do feminino construído sob a manipulação da
dominação masculina, da figura arrecatada, submissa e doce, mas principalmente
das vestimentas e expressões concebidas socialmente como femininas, também podem
fazer parte das características de uma mulher lésbica.
Logo,
nao é por ser feminina que a pessoa não possa ser lésbica, assim como não é por
ser másculo que a pessoa não possa ser gay. Esse condicionamento foi uma máscara
construída em que muitos ainda insistem em se esconder ou são simplesmente aprisionados para alimentar esse
sistema de poder com vantagens para o masculino, o que constitui uma sociedade patriarcal.
O
ideal é que todos os indivíduos se comportem ou se expressem da forma que
melhor os identificam em termos de essência humana, naquilo que realmente importa
para a boa convivência em sociedade, livres dos rótulos que violentamente segregam
a subjetividade da personalidade tão complexa e tão mais rica que esse imposto
binarismo de gênero (a convenção/padrão do masculino e do feminino). A
violência dessa divisão de papéis encontra-se, inclusive, dirigida aos homens
heterossexuais submetidos à essa perversa imposição da constante necessidade de
auto-afirmacao de uma masculinidade padronizada de que homem não chora; de que
homem deve ser forte, viril; deve gostar de brigar, jogar futebol; de que não pode brochar e de ser o
garanhão.
Não
bastasse isso, como esses padrões possuem raízes bem profundas, eles também
contaminam os oprimidos pelo poder da dominação masculina. Por essa razão, encontramos mulheres machistas conformadas e submissas à cultura da dominação,
pessoas LGBT homofóbicas e transfóbicas. Do mesmo modo, persiste a lamentável cultura
de menosprezo aos gays afeminados e sexualmente passivos, tudo isso por
influência da violenta hierarquia construída pela dominação masculina.
Aqueles
que são movidos pelo temor de que a sociedade possa se bissexualizar ou "virar
gay” - o que é um grande absurdo, além de um desrespeito com a afirmação e a realidade da heterossexualidade - provavelmente estão com déficit de segurança e confiança
em sua orientação sexual, ou no mínimo mascaram reprimindo possíveis desejos homossexuais.
Não é pela
quebra dos estereótipos e dos padrões de gênero que um indivíduo vai deixar de ser aquilo
que realmente faz parte de sua personalidade como heterossexual, assim como será
nas futuras gerações, que se espera, sejam ambientadas pelo respeito à
diversidade.
A
liberdade sexual, no que tange à identidade de gênero e de orientação sexual, notoriamente
concebidas no campo psicológico é um importante caminho para garantir saúde psíquica e qualidade de vida para todos. Pessoas
que possam exercitar a sua sexualidade livre das correntes opressoras desse
binarismo de gênero e da heteronormatividade não desenvolverão transtornos sexuais que em grande parte têm como causa o modelo de sexualidade repressor e, em muitos casos, manipulador da personalidade dos indivíduos.
Desse
modo, o combate ao machismo e da dominação masculina, contribuirá para a
construção de uma sociedade livre, de pessoas inteiras e satisfeitas no âmbito de sua íntima e privada prática da sexualidade. Isso com certeza é mais do que
estabelecer igualdade e liberdade é garantir saúde psicológica para todos!
* Pierre Bourdieu é antropólogo e sociólogo francês, autor da teoria da "A Dominação Masculina".

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