domingo, 3 de fevereiro de 2013

Homofobia religiosa

por Frederico Oliveira

Será que as passagens bíblicas utilizadas para justificar a homofobia de certos grupos religiosos podem ser lidas de forma isolada ou sem se avaliar o contexto da época em que foram escritas? Politicamente, não seria prudente discutir religião em um Estado laico, mas quando convicções religiosas invadem o cenário político como justificativas para projetos de leis que fomentam a discriminação, o assunto precisa ser colocado em pratos limpos. Faço essa avaliação em razão dos argumentos homofóbicos articulados por uma numerosa bancada evangélica que integra o Congresso Nacional, a exemplo do projeto do deputado federal João Campos, que pretende sustar a libertária conquista de proibição do tratamento para a “cura” da homossexualidade pela psicologia. Percebe-se, pois, a contradição desses segmentos religiosos ao interpretar a Bíblia com provocações que desembocam na incitação à discriminação e à intolerância combatidas por Jesus Cristo.
As passagens para justificar a homofobia deles: “Não te deitarás com um homem, como se fosse mulher: isso é uma abominação” e “Se um homem dormir com outro homem, como se fosse mulher, ambos cometerão uma coisa abominável. Serão punidos de morte e levarão a sua culpa” (Levítico 18, 22 e 20, 13).
No entanto, eles esquecem que o mesmo livro sagrado também diz que é abominação comer animais aquáticos que não tenham barbatanas ou escamas, bem como algumas aves, como a avestruz e a carne de porco. A mulher é impura após dar a luz, durante o período da menstruação e todo homem que tiver fluxo de sêmen é imundo. Entre outras condutas proibidas, não se permite comer nada que contenha sangue e o cabelo não pode ser cortado “em redondo” e a barba não pode ser raspada pelos lados. A lepra é uma maldição porque o leproso é impuro e a escravidão dos estrangeiros é permitida (Levítico 11; 12, 2; 15, 16-18 e 25-31; 19, 26-27; 25, 42-45).
Mais a frente, no mesmo livro sagrado adotado pelos cristãos, Jesus Cristo foi condenado à morte por ter agido de forma diferente e por combater os preconceitos de sua época, rompendo com uma série de costumes. Ele andava com pescadores pobres, mulheres, leprosos e prostitutas, modificando o costume de se guardar o sábado, realizando curas, milagres e ajudando pessoas inválidas, o que, nesse dia, segundo o Velho Testamento, era proibido. Deixou o que deve ser (ou pelo menos deveria ser) a essência do cristianismo no mandamento maior de amor ao próximo ao dizer: “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado” (João 13, 34).
Afinal de contas, se eles se dizem cristãos, qual o exemplo que essa bancada evangélica deve seguir? O de Jesus Cristo que combatia a intolerância, promovendo curas e ajudando os inválidos? Ou o exemplo de uma época em que o véu da ignorância pairava sobre a humanidade a que Jesus Cristo veio salvar e trazer novos ensinamentos? Por que ao invés de elaborarem projetos de leis que reduzem a condição de cidadania dos homossexuais, não se preocupam com questões sociais, promovendo políticas públicas de combate a miséria e a marginalização pregada pelo Messias, atendendo assim os desafiadores objetivos da República Federativa do Brasil, como manda a Constituição?
Por outro lado, esquecem esses, dessa bancada evangélica, que as justificativas de suas concepções religiosas, incoerentes até mesmo com a evolução da história bíblica, não podem ser consideradas para a realização de políticas de institucionalização da discriminação e do preconceito. O mandamento constitucional - o único válido para a obediência de todos os Poderes do Estado - prescreve que essa República Federativa é constituída como um Estado laico que tem por objetivo atender o bem de todos para a promoção de uma sociedade fraterna, livre, justa, pluralista e sem preconceitos. Afinal, as únicas curas previstas nos objetivos constitucionais da nação brasileira é a da pobreza, da marginalização, das desigualdades sociais e regionais e, também, a da discriminação. (Fonte: Jornal O Popular, Opinião 02/03/2012)



Um comentário:

  1. Excelente texto. Acho que mesmo num Estado laico a religiõ deve ser discutida, não no sentido de buscar qual a doutrina mais adequada,mas de que forma cada uma delas pode coexistir com as demais e como elas podem ser positivas para a harmonização da sociedade contemporânea.
    Não se pode admitir que esse grupo de radicais viole direitos fundamentais. A possibilidade de se aceitar o preconceito é a porta de entrada para injustiças com qualquer outro grupo que represente minoria ou "fora dos padrões".
    Adorei. Seguindo, já.

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