quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Como as pessoas LGBT são vistas no ambiente corporativo


A cultura heteronormativa que convenciona o padrão da heterossexualidade, reproduzida também no ambiente corporativo, faz com que as pessoas LGBT se vêem forçadas “a esconder e a disfarçar sua orientação sexual, a exercer um autocontrole sobre seu corpo, gestos e falas”, o que pode resultar na propensão dessas pessoas desenvolverem doenças psicossomáticas. (COLE et al.; PENNEBAKER apud IRIGARAY, 2008, p. 96). 

Em razão do preconceito, esses indivíduos acabam tendo que esconder a sua orientação sexual, gerando um desconforto psicológico que inviabiliza a naturalidade de suas ações no trabalho. Em outras palavras, o indivíduo nega uma condição que lhe é peculiar, criando ações que destoam da sua realidade, como forma de satisfazer a cultura heteronormativa, agredindo, assim, a sua condição inata. Esse desconforto restringe o pleno desenvolvimento das capacidades dessas pessoas pelo estresse  e pelo medo que estão cotidianamente submetidas. (IRIGARAY, 2008, p. 95-96) 

A tese de Hélio Arthur Reis Irigaray (2008) demonstra empiricamente o preconceito sofrido por esse grupo no ambiente de trabalho. Ao mergulhar na coleta das entrevistas, Irigaray percebeu reações negativas de alguns dos entrevistados heterossexuais, conforme podem ser percebidas nas seguintes falas:
surpresa: “O que te deu para pesquisar isso?”, descrédito: “Qual a importância disso para as empresas?”, “Nunca pensei que pudesse se escrever sobre isso num doutorado de Administração de Empresas, ainda mais na EAESP”, deboche: “Era só o que faltava, alguém estudar boiolagem organizacional” e, até mesmo agressividade: “Você estudando isso? Não sabia que você era da turma também”. (p. 120)

Analisando entrevistas de alguns heterossexuais, constata-se a existência de um discurso preconceituoso encetado no ambiente corporativo, caracterizador de homofobia: “Nada contra, desde que não seja uma bichinha afetada ou uma sapa furiosa.”(IRIGARAY, 2008, p. 159) “(20) Cansadinho? Larga de ser viadinho, tu é homem (sic) ou não é, véio? Tem mais que agüentar o tranco.” (2008, p.161). Em um dos depoimentos percebe-se uma fala extremamente homofóbica de tom agressivo, caracterizadora de desprezo e repugnância com relação aos homossexuais:
(03) Viado é um bando de anormal (...) porra, dois caras se pegando, se esfregando e se comendo é muito nojento (...) é um bando de anormal (sic). Foi falta de porrada quando era moleque (sic), têm mais que levar porrada agora para ver se aprende (sic) a gostar de mulher. (Antônio, 45, SP) (p. 150)

Percebe-se ainda que em alguns casos o preconceito é marcado por concepções religiosas que traduzem a homossexualidade como pecado ou abominação: (04) É um pecado abominável. Para eles não há perdão (...) você sabe o que significa arder no inferno para todo o resto da eternidade? (Washington, 25, SP) (p. 151). 

Em alguns casos percebe-se a homossexualidade ligada a um estereótipo estigmatizador: (09) O que é viado? (pausa) Ah..viado é quem vira mulherzinha e fica dando a bunda para outro homem, desmunhecando, falando fino. (Joel, 34 anos, RJ) (p. 153) 

Percebe-se, ainda, a dominação do papel do masculino (WELZER-LANG, 2001) determinante de que certos papéis são deferidos aos homens héteros ao passo que alguns outros papéis podem ser realizados por homens gays ou mulheres: “Eu não sou viado não. Foi só brincadeira daquele sacana. Aqui na Engenharia não tem boiola não, mas se você for lá no RH (sic), xii, tá cheio. (Anônimo)”. Essa pré-concepção de força dos papéis entre os gêneros masculino e feminino, próprias do discurso machista também é constatada no seguinte discurso:
(15) Ser homem é ser homem, pô (...) não ter essas frescurinhas de mulher, não-metoques (...) essas coisas de mulherzinha e viadinho”.(...) mulher fala demais, é muito blá-blá-blá, nós homens agimos (...) mulher no volante, perigo constante (...) nasceram para ser piloto de fogão (risos). (Jardel, 37 anos, SP).

Em algumas entrevistas percebe-se o sofrimento e angústia a que os homossexuais estão submetidos:
(25) A gente nasce gay. Você acha que se alguém pudesse escolher não ia preferir ser hétero (...) ser normal como os outros: casar, ter filhos, ser feliz. Eu olho ao meu redor e só vejo um bando de bicha maluca, saltitando, dando piti. Não me identifico com isso. Se pudesse, eu queria ser um bofe, daqueles bem másculos, sérios que levam as mulheres à loucura. (Renato, 36, SP)

No caso abaixo temos um paralelo entre dois tipos de preconceito o racismo e a homofobia:
Acho muito estranho esse papo de por tudo no mesmo balaio: deficiente, negro, mulher, judeu e gay. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Já ouvi piadas sobre gay e vejo alguns colegas sendo sacaneados explicitamente. Comigo, nem chegam perto, nem fazem esse tipo de piada ou qualquer tipo de comentário (...) racismo é inafiançável e motivo de justa causa: homofobia, não. (Lúcio, 32, RJ) (IRIGARAY, 2008, p. 224)

O racismo, diferente da homofobia, é crime punido com reclusão (prisão), o que torna as práticas homofóbicas mais difíceis de serem coibidas, em razão da falta de um mecanismo mais eficaz tal como acontece no modo de reprimir a discriminação racial. A criminalização da homofobia seria um importante passo para corrigir a inconsistência legislativa, considerando que as consequências de ambas as discriminações são equivalentes em termos de gravidade, em razão da repercussão negativa na estima social desses indivíduos. Nesse aspecto, cabe ao Estado equiparar ambas as espécies de discriminação criminalizando a conduta homofóbica que tem como vertente o preconceito e a discriminação tal como acontece com o racismo. 

A rejeição da identidade homossexual é muito comum, conforme constata a pesquisa de GARCIA; SOUZA (2010) no setor bancário:
Diocles e Plutarco deixam claro que um homossexual afeminado teria poucas chances de contratação no banco privado em que trabalham, apesar de o mesmo não ter nenhuma norma escrita que proíba a contratação de pessoas afeminadas. Outro fator direcionado aos homossexuais afeminados é que, caso consigam passar pela fase de contratação, sua promoção não irá acontecer com tanta facilidade, pois as mesmas ocorrem por indicação do corpo gerencial, que tem preconceito contra homossexuais. (p. 1373)

Diante dessas informações fica claramente demonstrado o preconceito e a discriminação por ações que revelam um processo de exclusão das pessoas LGBT, em especial dos gays, sujeitos da pesquisa, como se pode perceber dos seguintes discursos:
Aristóteles teve dificuldades de crescer na carreira. Quando conseguiu ocupar uma função gerencial, foi vítima de um fato, denominado pelo mesmo de “A trama.” (...) um plano elaborado pelo corpo gerencial para lhe retirar a função por ser homossexual (...) (GARCIA; SOUZA, 2010, p. 1372). Alcebíades relata que foi discriminado de forma violenta recentemente por outro funcionário do banco. Apesar de ser gerente, Alcebíades sofreu uma tentativa de ridicularização por parte de um funcionário também comissionado, mas que ocupa posição inferior à sua na hierarquia da empresa. Este funcionário discutiu com Alcebíades sobre a forma de execução de uma tarefa no banco, ficou bastante nervoso e passou a chamar Alcebíades de “mocinha” para, assim, intimidá-lo. Foi aberto um processo administrativo contra o funcionário, que foi absolvido. (...) Alcebíades demorou 13 anos para conseguir ocupar função de confiança no banco. (GARCIA; SOUZA, 2010, p. 1372)

A discriminação no setor financeiro que desqualifica, ignora e menospreza os homossexuais, também é realçada por Irigaray (2008, p. 216) no seguinte discurso:
(69) Esse negócio de política de diversidade, reconhecer marido de viado, é uma perda de tempo e de dinheiro para a empresa. Que a Globo faça isso, vá lá. Tá cheio de viado lá dentro, mas aqui é banco de investimento, aqui não tem viado, para que isso? (Leandro, 36, SP)

As entrevistas e discursos acima analisados ressaltam o preconceito, a discriminação e a intolerância que se encontram presentes no ambiente de trabalho. As pessoas LGBT são muitas vezes invisíveis, por não poderem exercitar suas particularidades no ambiente de trabalho; necessitam esconder sua condição homossexual; são rejeitados e menosprezadas em razão de uma cultura heteronormativa e de dominação do masculino (WELZER-LANG, 2001); e só são aceitas na maioria das vezes quando tenham superados limites de destaque eis que ainda é dada uma conotação pejorativa à homossexualidade, como se a homossexualidade fosse um defeito ou desqualificação, conforme percebe-se desse depoimento:

(33) O que me deixa puto é como as pessoas, mesmo aquelas que dizem não ter nenhum preconceito, me classificam pela minha sexualidade (...) por exemplo, eu sei que me descrevem como “o Fred, amigo, gente boa, trabalhador, que ganha um puta salário, mas é gay(...) alguém se refere a você como um puta professor, inteligente,mas que é hétero?(...) Porque esse MAS... ele já é uma forma gigante (gesticulando fortemente) de preconceito contra o homossexual. E parece que esse MAS (frisando novamente, como se estivesse sublinhando), ele é como se desse assim uma condicionante. Esse MAS, além dele ser uma afirmativa de preconceito, ele também é um MAS de você que é HETERO (frisando) ter cuidado: “MAS ele é GAY! Cuidado, viu!”(Fred, 24, RJ) (IRIGARAY, 2008, p. 173).

Um retrato claro das políticas discriminatórias praticadas pelas empresas referem-se aos discursos de gestores reproduzido na fala de um gerente de Recursos Humanos de uma empresa sueca com sede em São Paulo:
(70) Plano de saúde para viado? Era só que faltava. Vão querer engravidar também? Mais um pouco vão pleitear licença maternidade (risos). (mudando a voz para um tom mais sério e grave) Isso é um absurdo, não entendo, não faz o menor sentido. Essa gente quer o quê? Dominar o mundo?(...) De primeiro, viviam lá, no cantinho deles; agora estão em tudo que é lugar, parece rato saindo do esgoto (...) De primeiro, a gente sabia quem era viado e quem não era, agora, tem um bando de cara que voc julga que é macho, não desmunheca, fala grosso, até joga futebol e tá aí, queimando a rosca. (Marcel, 41, SP) (IRIGARAY, 2008, p. 217)

Do mesmo modo, seguem na mesma trilha os seguintes discursos homofóbicos de gestores de grandes empresas:
(71) Eu não tolero esses gayzinhos efeminados (...) como eles podem representar a companhia? Não podem ser bons profissionais porque não são sérios, não tem postura para representar a empresa. Imagina, que vergonha, mandar um tipo desse ao encontro de um cliente. (Cláudio, 47, RJ)
(72) Acho o seguinte: quer ser viado, seja entubado,mas tem que casar, ter mulher, filhos e faça o que quiser com a vida pessoal, mas que respeite a sociedade, as famílias de respeito e as empresas (João, 42, SP) (IRIGARAY, 2008, p. 217)

A insegurança para revelar a orientação sexual da homossexualidade no ambiente de trabalho diminui a autoestima desses indivíduos que se sentem inseguros e vulneráveis. (GARNETS, HEREK; LEVY, 1990 apud IRIGARAY, 2008). O abalo pscológico causado por essa diminuição de autoestima tende a ser somatizado por meio de dor de cabeça, ânsia de vômito, taquicardia, dor na coluna e inchaço das pernas (GERGEN, 2001; IRIGARAY, 2006; MEYER, 1995; COCHRAN, 2001; GILLMAN et al., 2001; HERREL et al., 1999; SANDFORT et al, 2001 apud IRIGARAY, 2008). 

Cabe, portanto, a promoção de um padrão mínimo de convivência digna dos diferentes grupos, pois a empatia tende a diminuir os conflitos decorrentes dessas diferenças. (CLARK et al., 1999; CROCKER; MAJOR, 1989; KESSLER, PRICE; WORTMAN, 1985; MILLER; MAJOR, 2000; SHADE, 1990 apud IRIGARAY). A implantação de políticas de apoio e de reconhecimento aos LGBT que faça com que eles se sintam iguais, possivelmente reduzirá os impactos psicológicos dentro da organização, reduzindo, ainda, o campo de contato com o preconceito tão propagado no seio social. 

A gestão da diversidade é um desafio das organizações e dos gestores. A inclusão e respeito das minorias é um assunto que ainda deve ser muito discutido para que os resultados apareçam com atitudes concretas e efetivas. É preciso buscar excelência na qualidade de vida dos trabalhadores vulneráveis às práticas homofóbicas para o melhor aproveitamento de sua capacidade produtiva. A diversidade pode ser considerada como um diferencial competitivo o que só é possível com a melhoria na gestão da qualidade de vida dos recursos humanos que tende a ser cada vez mais diversificado, tanto do ponto de vista cultural, quanto do ponto de vista da sexualidade. 

Referências bibliográficas:

BOBBIO, N. A era dos Direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 186-187.

BRASIL, Presidência da República. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Texto base da Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Travestis e Transexuais. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/co/glbt/texbaglbt.pdf>. Acesso em: 19/05/2012. 

NKOMO, S; COX, T. Diversidade e identidade nas organizações. In: CLEGG, S; HARDY, C; NORD, W. W. (Org.). Handbook de Estudos Organizacionais. São Paulo: Atlas, 1999 v.1 

DIREITO INTERNACIONAL: Normas. Coletânea de Direito Internacional. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2008, p. 845. 

ETHOS, Instituto. Como as Empresas Podem (e devem) Valorizar a Diversidade, São Paulo: Instituto Ethos, 2000. 

FLEURY, M. T. L. Gerenciando a Diversidade Cultural: Experiência de Empresas Brasileiras. RAE-revista de administração de empresas, v. 40, n. 3, p. 18-25, 2000. 

GARCIA, A.; SOUZA, E. M. Sexualidade e trabalho: estudo sobre a discriminação de homossexuais masculinos no setor bancário. RAP. Rio de Janeiro 44 (6), nov/dez, 2010. 

IRIGARAY, Hélio Arthur Reis. A Diversidade nas Organizações Brasileiras: Estudo sobre orientação sexual e ambiente de trabalho. São Paulo, 2008. Tese de Doutorado em Administração de Empresas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, 2008. 

JIMENEZ, Luciene; ADORNO, Rubens C. F.. O sexo sem lei, o poder sem rei: sexualidade, gênero e identidade no cotidiano travesti. Cad. Pagu, Campinas, n. 33, dez. 2009 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332009000200013&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 13 jul. 2012.


2 comentários:

  1. Caro Fred, em primeiro lugar, parabéns pela iniciativa de criar o Blog e de uma maneira tão bem cuidada.Um tema de tal complexidade requer não apenas uma argumentação substancial, mas a reflexão necessária para que se possa explorar tudo o que o tema oferece como questões que atravessam o nosso cotidiano. A tolerância é a base de uma sociedade equilibrada e harmônica. No fundo isto é simples, mas a noções pré-concebidas enraizadas em nosso processo de aprendizagem, desde a família, passando pela escola, universidade até chegar ao ambiente corporativo vão criando como "camadas", que se sobrepõe gradualmente, de tal modo que a visão sobre as relações sociais fica totalmente distorcida. É assim que as barreiras entre pessoas são criadas, e aqueles que naturalmente se identificariam na maneira de trabalhar ou de pensar sobre a cultura, a música, as atividades profissionais se afastam, se evitam, quando não se agridem, baseando suas ações numa maneira empoeirada e retrógrada de ver a sexualidade e a vida. Todas as chances que tivermos de aprender o respeito ao outro devem ser aproveitadas. Esta é uma grande chance, uma ferramenta excelente para isso. Parabéns!

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