terça-feira, 2 de setembro de 2014

O CASAMENTO CIVIL igualitário é um DIREITO INEGOCIÁVEL

por Frederico Oliveira


Os episódios dos últimos dias demonstram de forma clara que no Brasil os direitos humanos das pessoas LGBT servem de negociação como moeda de troca eleitoreira. 

Certos líderes religiosos, com influências políticas pautam debates contra a afirmação histórica de direitos humanos de nosso país, no objetivo específico de negar a plenitude de cidadania às lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. 

No entanto, essa "jogatina tacanha" tem limites e não pode atingir a conquista do casamento civil igualitário que já é realidade em nosso país. 

Marina Silva, em menos de 24 horas fez alterações em seu programa de governo esvaziando a pauta dos direitos à população LGBT, menosprezando, inclusive, a conquista do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

O casamento civil para homossexuais foi conquistado às duras penas, graças aos anos de luta do ativismo dos movimentos sociais, bem como da judicialização da cidadania LGBT, em especial da união homoafetiva que foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como entidade familiar.

Recapitulando as conquistas: Em maio de 2011 o STF reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo como união estável. A partir de final de 2012 algumas Corregedorias de Justiça determinaram  regras para a conversão da união homoafetiva em casamento. Em maio de 2013, o CNJ (Conselho Nacional da Justiça), determinou que todos os cartórios de registro civil realizassem a habilitação e o casamento de casais homossexuais. 

Hoje João e Pedro, Sílvia e Beatriz, Estéfano e Carlos, Luísa e Cecília, dentre tantos outros mil casais  homossexuais se casaram em todos os cantos desse Brasil, obedecendo as formalidades legais para a habilitação, inclusive com edital de proclamas passado e publicado. 

Essas pessoas mudaram o seu estado civil, por ato solene comprovado com testemunhas e atestado por certidão pública que eles carregam como documento oficial. 

Esses casais passaram a ter uma série de direitos decorrentes do casamento, tais como a partilha de direitos civis como a propriedade de convivência do casal, os direitos sucessórios (de herança), os direitos de seguridade social, a exemplo da pensão por morte, dentre tantos outros. 

É de suma importância que um candidato a um cargo público como de Presidente da República paute suas propostas de governo de acordo com a realidade social, política e jurídica de nosso país para não incidir em equívocos que marginalizem ou excluam grupos sociais do acesso e do gozo de direitos fundamentais.

Ser contra o casamento civil homossexual ou estabelecer um programa especificando uma tal "união civil" com menos direitos aos que já são garantidos na prática, é sem sombra de dúvidas uma afronta à nossa ordem constitucional e à afirmação de direitos humanos que se pauta historicamente por lutas e conquistas. 

É óbvio que Marina Silva conhece essa realidade, o que faz entender que sua atitude de "voltar atrás" nas políticas afirmativas da população LGBT tem o propósito de BURLAR  a nossa ordem jurídica para satisfazer interesses obscuros de um grupo reacionário que usa o nome de Deus contra o amor entre iguais. 

Daí eu pergunto, o casamento civil para homossexuais é um direito conquistado? Quem possibilitou o exercício pleno desse direito em nosso país? 

O casamento civil é um instituto jurídico previsto na lei. O Código civil não faz nenhuma proibição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, fazendo apenas menções que levavam os intérpretes da referida lei a limitarem o casamento apenas para casais heterossexuais (nesse sentido  leia o artigo). 

A interpretação que impunha obstáculos aos casais homossexuais de se casarem, foi varrida da nossa realidade jurídica a partir da decisão do CNJ que, observando o entendimento vinculativo do STF de que não cabe fazer distinção de orientação sexual, determinou que todos os cartórios realizassem o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. 

Logo, o casamento civil como procedimento público à cargo das atividades cartorárias passou a ser um direito tanto dos homossexuais que já se casaram, quanto daqueles que pretendem se casar no futuro. 

Para aqueles que já se casaram estamos diante de um ATO JURÍDICO PERFEITO que se incorpora ao mundo jurídico dos contraentes, não cabendo mais ao Estado, nem mesmo por lei querer suprimir,  restringir, ou diminuir seus efeitos jurídicos. 

A política pública que abrigou os homossexuais foi então encabeçada por quem tem atribuição legal nesse sentido, considerando que ao CNJ incumbe regular a atividade cartorária no Brasil. A política regulatória de atividade cartorial é atividade do Poder Judiciário, não se tratando, pois de atribuições do Presidente da República, no Poder Executivo. 

No âmbito do Legislativo, o órgão que porventura poderia mudar a dinâmica do instituto do casamento, promovendo alterações na lei civil (Código Civil) ou na Lei de Registros Públicos (LRP) não poderia fazer restrição, primeiro, em razão da interpretação constitucional (Lei Maior) firmada pelo STF de igualdade afetiva independente de orientação sexual; e, segundo, por se tratar o casamento de um direito já conquistado e que não pode ser abolido conforme a seguinte cláusula proibitiva de retrocesso:

"Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais." 

O casamento civil é um direito fundamental, tratando-se do procedimento mais solene de se estabelecer a segurança jurídica constitutiva de uma entidade familiar, concebido com base nos princípios essenciais dispostos dentre os direitos individuais da liberdade, igualdade e dos fundamentos republicanos da dignidade humana e da cidadania. 

A sua concepção igualitária que atende aos homossexuais foi fruto do exercício de um amadurecimento jurídico enfrentado pelo Poder Judiciário (o que olvidou fazer o Poder Legislativo), na função de controle e regulação que detém legitimidade. 

Não bastasse isso, o casamento encontra expressa menção de contorno de direito fundamental no Pacto de San José da Costa Rica (art. 17, 2, Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969), a que a nossa ordem jurídica se vincula. 

SE, nem mesmo uma emenda à Constituição poderá abolir um direito individual, muito menos poderá fazê-lo uma lei infra-constitucional ou qualquer outro ato normativo, sendo suficiente para compreender que o direito do casamento civil igualitário passou a incorporar o mundo jurídico brasileiro, sem qualquer possibilidade legítima de retrocesso. 

Isso ocorre, porque a Constituição Brasileira recepciona toda e qualquer conquista de direitos humanos compatíveis com seus princípios, inclusive os novos direitos fruto de tratados internacionais que o Estado Brasileiro seja signatário (art 5º, § 2º CRFB/88).

Desse modo, mesmo diante dessas tentativas de negociatas de direitos para a população LGBT, o certo é que a nossa ordem constitucional não permite retrocesso, sendo, pois, o casamento civil igualitário uma realidade conquistada que não se permite voltar atrás. 

Por outro lado, cabe ao Executivo como importante articulista de propostas legislativas, mas principalmente ao Legislativo, a missão de completar a ordem jurídica afirmada pelo Poder Judiciário de se declarar expressamente o direito ao casamento igualitário, não porque ele carece de lei específica. Mesmo que a lei vigente não conste expressamente o casamento igualitário sem distinção por orientação sexual, sua declaração é importantíssima para se manter a estabilidade democrática, contribuir com a visibilidade e o reconhecimento da homoafetividade, dissipando, pois, hipóteses de insegurança jurídica aos interessados.

O que a candidata Marina Silva fez foi negociar uma conquista de direitos humanos fundamental para os homossexuais, assim como também ela já o fez no passado ao propor um plebiscito pra saber se a população aceita você se casar com "B" ou com "C" ou no mais absurdo  dos resultados de negar-lhe o acesso a esse direito. 

Você que já se casou e que pretende se casar fique de olho: O CASAMENTO CIVIL IGUALITÁRIO É UM DIREITO INEGOCIÁVEL!



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