sábado, 13 de setembro de 2014

Da Arca ao Templo:

Eu, eu mesma e a minha Fé


por Rachel Rocha*


Diz a bíblia que Noé teria levado em sua arca uma dupla de animal de cada espécie, além de sua família, atendendo aos desígnios do Senhor.  O objetivo era repovoar a terra com os puros que Noé levava. Após o dilúvio, criado da ira de Deus para lavar a terra dos homens e de qualquer ser vivo que havia criado, uma nova humanidade surgiria.

Nem tudo são flores desde a “história” da Arca de Noé.

Na última semana tivemos a notícia de uma casa que foi demolida na cidade de São Paulo para dar lugar a um templo. Na casa animais foram mortos e outros tantos abandonados ao relento. A dona da casa, uma pastora, que havia se comprometido com grupos de defesa de animais que a demolição se daria após o encontro de um lugar para todos, não cumpriu a sua promessa.

Nada contra a construção de templos, a Constituição é clara, o direito de Fé é princípio fundamental. Fé esta que aos olhos do Senhor também sugere que os animais são filhos de Deus, protegidos da grande inundação que lavou o mundo de homens corruptos, interesseiros e violentos.

Fé esta que sugere que amemos uns aos outros, como nos amou o Senhor. Esta, talvez, seja a maior contradição daqueles que, em nome da Fé, reconhecem o amor apenas aos que comungam da sua crença. Fé esta que, em nome de preservar o “seu” amor, desqualificam cidadãos como de quinta categoria e demonizam o amor entre pessoas do mesmo sexo, demonizam o reconhecimento da identidade de gênero, demonizam a construção de uma família que não seja aquela concebida sob o seu manto.

Em nome da Fé temos testemunhado a construção de um país que caminha na contramão da história. Histórias de ódios, de intolerâncias, de indiferenças. Em nome do Poder da Fé, vale tudo.

Um país que se omite a morte de cada filho teu, não pode ser livre. Um país que não atende ao mínimo da dignidade de seus habitantes, não pode ser digno. Um país cuja crença de alguns predomina e prevalece sobre de todos os outros, não pode ser justo.

A história de um país é contada a partir de suas lutas, de suas vitórias, de suas derrotas. Que história desejamos contar para as futuras gerações? 


Os inúmeros atos que acontecem pelo país, no dia de hoje, em memória de mais vítimas da violência que tomou conta da população LGBT, com a morte de João Antonio Donati, morto em Inhumas, Goiás; da travesti que foi atirada de carro em movimento e morreu no dia 9, na Vila Galvão; e do incêndio no Centro de Tradições Gaúchas, onde será realizado um casamento, que inclui cidadãos LGBTs, devem impulsionar uma agenda de tantos outros nos dias que se seguem, para que não caiam no esquecimento daqueles que tombaram e hoje apenas computam a triste estatística da construção deste país.

*Rachel Rocha é advogada e vice-presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB/SP.

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