terça-feira, 12 de agosto de 2014

Lei Maria da Penha deve ser aplicada às travestis e transexuais vítimas de violência doméstica

por Frederico Oliveira


A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) que pune a violência doméstica contra a mulher deve ser aplicada às vítimas travestis e transexuais, conforme se posicionou o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio da Comissão Especial da Diversidade Sexual.  

Esse posicionamento foi emitido por Nota Técnica pela comissão especializada, em resposta ao questionamento feito pelo Conselho Federal de Psicologia sobre a aplicabilidade da referida norma de proteção aos casos em que travestis e transexuais são vítimas de violência doméstica e familiar. 

A Lei Maria da Penha, tem por objetivo punir a violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 1º), definida como "qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial" (art. 5º).

De acordo com a Nota Técnica "gênero é elemento subjetivo constituído por aspectos psicológicos, sociais e culturais relativos aos padrões de comportamentos definidos pela prática cultural na qual as pessoas vivem papéis estereotipadamente masculinos e femininos".

O âmbito de proteção da norma visa tutelar a condição feminina vulnerável, como forma de "garantir isonomia entre os integrantes das unidades familiares e afetivas, ante a histórica e notória violência sofrida pelas mulheres decorrente do caráter patriarcal da sociedade brasileira. A subordinação econômica e social da mulher em relação ao pai, marido e posteriormente até mesmo em relação aos filhos culminou com a contrução de um estereótipo de inferioridade do papel feminino."

Para a Comissão Especial da Diversidade Sexual a lei estabelece "proteção da mulher como gênero e não como sexo" e "não cria qualquer restrição as transexuais e travestis, tampouco exige prévia retificação do registro civil ou cirurgia de adequação de sexo, e onde a lei não restringe, não cabe ao interprete fazê-lo." 

Também foi considerado que "a mulher foi e ainda é discriminada em razão de um estereótipo de inferioridade, não menos certa é a situação de vulnerabilidade suportada por travestis e transexuais, minorias alvo de agressões, preconceito e constantemente relegada à inviabilidade estatal."

Com acerto, vejo que a condição de transgeneridade (transexuais e travestis femininas) se enquadra no âmbito de proteção da norma porque, afinal de contas, as travestis e transexuais sofrem violência em razão da sua identidade de gênero que, nesse caso, é feminina. 

De acordo com os Princípios de Yogyakarta que integra a legislação internacional de direitos humanos a que o Estado Brasileiro deve obediência, compreende-se como identidade de gênero "a profundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos."

Desse modo, como as travestis e transexuais se identificam com o gênero feminino por meio de comportamentos, expressões, inclusive com o senso pessoal que elas possuem sobre os seus corpos, transitando no universo socialmente construído como feminino, vejo que a norma deve ser estendida para também protegê-las. 

Essa interpretação, acredito eu, ser fundamental para proteger a vulnerabilidade das travestis e transexuais no seio de suas famílias desde a infância, sobretudo porque, segundo evidências, são dentre os seres humanos os mais rejeitados violentamente no âmbito familiar. Afinal de contas, inúmeros são os casos de agressões moral e física praticadas por pais que não compreendem e, por isso, não aceitam a identidade de gênero feminino das suas filhas que nasceram biologicamente com o sexo masculino. 

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