Tenho uma prima que amo, particularmente.
Mas ela tem fobia, medo, pavor, horror de cobras. E eu
tenho três cobras. Quando as cobras chegaram, minha prima teve que fazer
diversas escolhas. Duas delas se lhe apresentaram de maneira arquetípica.
Primeiro, ela poderia nunca mais pisar ou frequentar minha casa. Poderia
desenvolver um proselitismo familiar para que todos os parentes me execrassem e
deixassem de me frequentar. Poderia, sorrateiramente, entrar na minha casa,
quebrar o viveiro, bater, machucar e matar minhas cobras. Poderia envenenar a
comida delas e espalhar boatos referentes à periculosidade das mesmas (que eu
garanti mil vezes inexistir). Ou poderia se assumir medrosa e enfrentar isso
com serenidade e sabedoria.
Afinal, ela também é uma Martiniano, e esta
virtude jamais faltou ao meu nobilíssimo clã. Um dia, ela entrou na sala mas
não se aproximou do viveiro. Uma semana depois, toda arrepiada, voltou à minha
casa e se aproximou do viveiro, ainda meio de longe e com bastante medo. Na
terceira visita, conseguiu observar as três cobras passeando pelo seu espaço,
em vomitar ou desmaiar. Observou os corpos brilhantes e o movimento perfeito.
Uma semana depois, os 5 minutos de observação, viraram meia hora e ela
conseguiu saber exatamente quem é Apófis, quem é Hades e que é Cronos. Pôde
perceber que mesmo sendo serpentes, apresentavam comportamentos diferentes:
Apófis, tímido e arisco; Hades, exibido e destemido; Cronos, sempre faminto e
rápido. Em menos de uma semana, ela voltou e me deixou tirar uma das cobras do
viveiro. Ficou olhando meio de longe. Do mesmo modo quando ela veio ver minhas
cobras comerem. Algum tempo depois, enquanto eu afagava Hades, ela tocou nele
levemente, e viu que ele era lindo, liso, seco. Uma semana depois, me pediu
para segurar uma delas. Dei-lhe Apófis, o Terror das Doze Casas, que,
contrariando sua natureza tímida, se aconchegou nos braços de minha prima,
levando-a quase às lágrimas, de tão emocionada que ficou.
Veja, ela poderia ter dado vazão à sua fobia, que
é patológica, e entrado no mundo da falta de ética, das mentiras, do
preconceito, da violência e crime. Ela, usando a sabedoria atávica e
particular, mesclada com a curiosidade (sinal inequívoco de inteligência),
refletiu, enfrentou e viu que nada demais havia além do medo irracional e
preconceito.
Hoje, é plenamente amiga das minhas
serpentes. Mas este não seria um texto sobre homofobia [transfobia]? Será
que me confundi?
Rodrigo Martiniano Tardeli é bacharel em Direito pela UNESP, especialista em
Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Canônico e História do
Direito. Professor de cursos de graduação e pós-graduação em Direito.
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